10/09/2016

O Concelho de Olhão - Descrição do Século XIX (I)

Reino do Algarve, 1770-1780

OLHÀO—Villa, Algarve, cabeça do conce­lho do seu nome, comarca a 6 kilometros de Faro, 240 ao S. de Lisboa, 1:800 fogos. Em 1757 tinha 787 fogos.
Orago, Nossa Senhora do Rosário.
Bispado do Algarve, districto administra­tivo de Faro. A mitra apresentava o prior, que tinha 300$000 réis de rendimento annual.
O concelho d'Olhão, é composto de quatro freguezias, todas no bispado do Algarve — são — Moncarapaxo, Olhão, Pexão, e Quelfes [Quelfez] —todas com 3:850 fogos. .

Principiou esta povoação no meiado do século XVII, por um aggregado de cabanas de palha, em que se abrigavam os pescado­res, durante o tempo das pescarias, até que se foi tornando habitação permanente, e se foram edificando casas, constituindo-se pou­co a pouco uma bonita e grande aldeia, da freguezia de S. Sebastião de Quelfes. A industria da pesca foi tão prospera para este povo, que já em 1790 se não via uma só cabana de palha, mas boas e bonitas casas, com 1:133 fogos—em 1802, tinha 1:202. Em 1835 porém, o colera morbus deixou a povoação reduzida a 1:081 fogos. O bispo do Algarve, D. Simão da Gama, attendendo ao desenvol vimento da povoação, a fez parochia inde­pendente, pelos annos de 1700, construindo-lhe a sua egreja matriz, pelo mesmo tempo, É um bom, vasto e bonito templo.


Interior da Igreja da Nossa Senhora do Rosário, Olhão

Pertenceu ao concelho de Faro até 1808, sendo então elevada á categoria de villa, e
creando-se o seu concelho, com as fregue­zias ditas, e demarcando-se-lhe um pequeno termo. 

Deu-se-lhe então o nome de Villa Nova de Olhão, ou, Olhão da Restauração.
Já então a villa, posto ser, na sua quasi totalidade, composta de pescadores e artes correlativas, era muito florescente.
Está esta villa vantajosamente situada á beira mar; fieando-lhe para o lado de terra uma vasta o fértil planície, e para o do Ocea­no um grande areal, o que tudo por vezes é invadido pelas marés, até ao poço que fica á entrada da villa, a E , e que é abundante de exeellente agua potável.
Tem poucas ruas largas e alinhadas, sen­do a maior parte travessas estreitas e uma rede de béccos e alfurjas, resentindo-se da desordem em que haviam sido construídas as cabanas primitivas, sem que ao edificarem-se os novos prédios houvesse a mínima regularidade; mas seguindo se as mesmas si­nuosidades antigas. Todavia os seus actuaes prédios são bonitos,aceiados e bem caiados.
Os pescadores de Olhão devem a prosperidade da sua industria, não tanto à abun­dância de bom peixe da costa, como á sua coragem e destreza, pois se afastam, em bus­ca de pescaria, a 70 e ás vezes a 90 kilometros ao S.O. da terra.
Exporta muita quantidade de peixe, de differentes qualidades, para todo o reino, tanto em fresco, como depois de sécco; mas a sua maior exportação é de sardinha, que colhe em quantidade prodigiosa.
Em 1790, havia aqui 114 embarcações de pesca, em continuo exercicio, alem das mui­tas que estavam varadas na praia, por falta de gente. Hoje apenas tem uns 50 cahiques e egual numero de lanchas.
Seria Olhão incontestavelmente uma das mais prosperas villas do Algarve, e mesmo de todo o reino, senão fossem tantos, tama­nhos e tão variados os impostos (1) com que o fisco sobrecarrega a classe piscatória, a pon­to de muitos pescadores terem abandonado a sua industria, e muitos, mesmo a sua pá­tria.
Alem dos barcos de pesca, ha uns 20 ca­hiques (de 3 a 4:000 arrobas de tonelagem) e alguns hiates, que se empregam na conducção de pescado, pelles de lixa, azeite de pei­xe, e variados fructos do paiz, para Lisboa, Porto, Gibraltar, e outros muitos portos do reino e extrangeiro.
 

(1) O concelho de Olhão paga, alem do imposto do sello, e das alfandegas, mais de 14 contos de réis anouaes para o thesouro pu­blico, apezar de ter apenas 4 freguezias. No anno económico de 1873 a 1874 , pagou de decima—de pescarias, 2.927$948 réis — in­dustrial! 3:391$891 réis—de renda de casas, 741 $218 rs.—de juros, 623$030 rs.—e pre­dial, 6:712$672 rs.—total—14:196$759 réis.



Todas estas embarcações são aqui mesmo construídas, com madeiras extrahidas dos vastos pinhaes que lhe ficam próximos. 
O território em redor da villa, e o do con­celho, é em geral fertilissimo, apezar de areiento, produzindo saborosas fructas, mui­tas vinhas, que dão óptimo vinho, boas hor­taliças, e grande numero de figueiras e al­farrobeiras. Também ha bastantes amendoei­ras, oliveiras, e laranjeiras.
Tem duas boas feiras francas, ambas de três dias e muito concorridas. A primeira a 30 de abril e a segunda a 29 de setembro. 

 
Teem os habitantes de Olhão o louvável orgulho, de terem sido os primeiros do Al­garve que levantaram o grito de independên­cia contra o jugo ominoso do sanguinario Junot, em 1808; pelo que o príncipe regen­te decretou que se intitulasse— Olhão da Res­tauração. 


A Revolta contra os Franceses, 16 de Junho de 1808

Não contentes, estes leaes patriotas, de ar­riscarem as suas vidas, famílias e fazendas, praticaram uma façanha que os vindouros certamente crerão fabulosa, e com razão se ufanam de ter por patrícios Manuel Martins Garrocho, mestre —e Manuel de Oliveira Nobre, piloto—ambos pescadores, de Olhão, que, em um pequeno cahique, e só com mais três marinheiros, foram, em 1808, ao Rio de Janeiro, levar a D. João VI a noticia da ex­pulsão dos francezes, de Portugal. 


Caíque Bom Sucesso
O rei, fez o primeiro guarda-mór da saú­de, e o segundo, capitão do porto de Olhão. Condecorou ambos com o habito de Christo, deu-lhes a patente e soldo de primeiros te­nentes da armada real da marinha, uma ten­ça annual de 200:5000 réis a cada um; pre­miando também os marinheiros com dinhei­ro e uma medalha commemorativa. Deu-lhes um hiate para regressarem ao Algarve, e mandou conservar no arsenal da marinha, do Rio de Janeiro, ad perpetuam rei memo­riam, o famoso cahique em que estes heroes fizeram a sua arriscadíssima e patriótica via­gem. 


Medalha atribuída ao Povo de Olhão pelo Príncipe Regente
O príncipe regente, depois D. João VI, havia feito 1.° conde de Castro-Marim, em 14 de novembro de 1802, a D. Francisco de Mello da Cunha Mendonça e Menezes, 8.° monteiro-mór do reino.
Em 21 de dezembro de 1808, foi a villa de Olhão elevada ao titulo de marquezado, pelo mesmo príncipe regente, a favor do dito 1.° conde de Castro-Marim. O actual represen­tante d'esta nobilíssimo família, é o sr. D. Jo­sé de Mendonça da Cunha e Menezes, conde de Castro-Marim.

Em novembro de 1853 houve em Olhão e arredores, uma horrorosa tempestade. A chuva foi torrencial. Cahiram pedras de sa­raiva, tendo algumas mais de 400 grammas de peso, ficando esmigalhadas quasi todas as vidraças. Os raios serpenteavam em to­das as direcções. Causou grandes prejuízos. 

Também soffreu bastantes prejuízos esta villa, durante a guerra fratricida de 1833 a 1834. Depois da invasão do Algarve pelo du­que da Terceira, Olhão declarou-se pelo partido liberal, e construiu à pressa varias trin­cheiras. Cercados pelos realistas, e por elles varias vezes acommettidos, causaram muitas mortes e ferimentos aos adversários; mas também muitos morreram e foram feridos; sendo ao mesmo tempo desimados pelo cólera-morbus, que então grassava em quasi todo o reino.

Posto que as casas da villa sejam em ge­ral bonitas, não tem prédio algum digno de nota. O melhor edificio da villa, é a egreja parochial. A casa da alfandega também é um bom edifício.

Edifício da Alfândega, princípio do século XX

Retirado de Portugal Antigo e Moderno, Diccionário Geographico
Statistico, Chorographico, Heraldico, Archeologico,
Historico, Biographico e Etymologico de Todas as Cidades, 
Villas e Freguezias de Portugal, 
Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Pinho Leal
Lisboa 1874-1890

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