Trinta e três anos depois da inauguração do primeiro troço de caminho
de ferro em Portugal (de Lisboa ao Carregado) e 25 após a chegada a
Beja, os silvos da locomotiva ouviam-se enfim no Algarve.
Apesar de a primeira viagem direta entre Barreiro e Faro ter ocorrido
a 21 de fevereiro de 1889, seriam necessários mais quatro meses para a
abertura efetiva da linha. Isso aconteceu a 1 de Julho de 1889.
Embora a decisão tivesse sido tomada nas
sessões parlamentares de 25 e 26 de junho de 1862, e a abertura à
exploração tivesse sido fixada, poucos anos depois, para 1 janeiro de
1869, a construção de tão desejado melhoramento dilatar-se-ia no tempo.
Se é verdade que todo o trabalho era braçal (só nas imediações de S.
Bartolomeu de Messines trabalhavam, em fevereiro de 1876, cerca de 600
pessoas), sem recurso a maquinaria (tão-somente a pólvora, picaretas,
pás, alcofas, etc.), e que era necessário escavar outeiros e construir
aterros, já para não falar nas obras de arte ou nos edifícios para as
estações ou passagens de nível, não é menos verdade que esta linha raras
vezes foi considerada prioritária no contexto nacional.
As paralisações frequentes, aliadas às diferentes secções em que
decorriam as obras, provocavam quase sempre situações caricatas. O lanço
entre Faro e Boliqueime foi dos primeiros a ficar concluído, mas seriam
necessários muitos anos até que, por ele, circulasse alguma composição.
No entanto, em 1875, um terrível acontecimento veio dar um incremento
aos trabalhos: a seca. As Câmaras Municipais da região, face ao flagelo
da fome que afetava os algarvios, pressionaram o governo para a
abertura das obras, não só na ferrovia, como nas estradas.
De tal forma que os lanços da linha entre a Portela dos Termos e as
Silveiras (São Marcos da Serra), e entre este ponto e Boliqueime, tinham
o leito praticamente concluído em dezembro de 1876. Em contrapartida,
entre Casével (Castro Verde) e a Portela dos Termos, muito havia a
fazer. Em 1878, nova seca se faz sentir na região e as obras sofrem novo
impulso.
A 3 de junho de 1888 abria à exploração o troço de Casével a Amoreiras/Odemira.
Oito meses depois, realizava-se a primeira viagem técnica entre o
Barreiro e Faro. Só faltava agora a inauguração. Mas se a construção da
via teve, como vimos, parto difícil, uma outra contrariedade esperava os
algarvios – o desprezo.
Entre o fim de fevereiro e junho de 1889, vários periódicos lisboetas
noticiaram amiúde a presença de individualidades na inauguração do
caminho de ferro do Algarve, fosse a família real, que sempre
participara nestes momentos, ou membros do governo.
Porém, agendado o dia festivo, 1 de julho, uma segunda-feira, todos
declinaram o convite, e uma frase ficou célebre: “Nem Majestades, nem
Altezas, nem ministros”.
Para alguns círculos representativos do Algarve, a sua ausência foi
considerada como “a maior humilhação que os altos poderes do Estado
podiam ter infligido aos brios de um povo que se regia por instituições
constitucionais”.
Mas os algarvios não desanimaram e organizaram durante três dias uma
manifestação de regozijo, celebrando em Faro o início da exploração do
seu caminho de ferro.