23/12/2015

Natal 2015


Uma das mais antigas representações da Natividade, proveniente de Naxos (Grécia) e datada de inícios do século IV d.C. e com o pormenor interessante de as árvores (pinheiro e carvalho) ocuparem os lugares habituais de Maria e José

21/12/2015

Adeste Fideles

Esclarecimento sobre a autoria desta música de Natal, por Rui Vieira Nery: 

Todos os anos, mais ou menos por esta altura, há uma alma patriótica que desenterra não se sabe bem de onde, com a melhor das intenções o disparate musicológico absoluto da atribuição do conhecido hino de Natal "Adeste fideles" ao nosso Rei D. João IV, o que desperta logo uma corrente interminável de "likes" de orgulho nacional. Ano sim, ano não, a irritação profissional pela perpetuação desta atoarda faz-me tentar desmentir como posso o boato (tanto mais que a figura de D. João IV, sobre quem trabalho há quase quarenta anos, nos deve merecer a todos o maior respeito pelo seu papel inimitável de protector da Música e dos músicos portugueses do seu tempo, e não precisa para tal desta atribuição abusiva de paternidade musical). Aqui fica, pois, mais uma vez, o devido esclarecimento, embora sabendo que estarei provavelmente a pregar no deserto, porque a mística do mito tem sempre mais força do que qualquer argumento racional.


1) O “Adeste fideles” é uma obra composta em harmonia funcional inteiramente tonal, com acompanhamento de baixo contínuo, num estilo absolutamente incompatível com a prática musical do tempo de D. João IV, que morreu em 1656. Atribui-lo ao nosso Rei ou a qualquer compositor europeu da sua geração seria sensivelmente o mesmo disparate do que dizer que Bach poderia ter escrito da “Nona Sinfonia” de Beethoven ou que Brahms poderia ter sido o autor da “Sagração da Primavera”…
2) Como se isto não bastasse, o próprio texto “Adeste fideles” não consta de quaisquer livros litúrgicos antes do século XVIII, até à sua edição por John Francis Wade no início da década de 1740, embora possa ter sido baseado, remotamente, num texto medieval.

Estes dois argumentos deveriam ser suficientes para qualquer pessoa que saiba alguma coisa de Música do século XVII. Mas deve referir-se ainda que:
 

3) É absolutamente falso que existam em Vila Viçosa quaisquer manuscritos do início do século XVII – ou de qualquer outro período, por sinal, até pelo menos meados do século XX – com esta obra. Trata-se de uma invenção surrealista de quem escreveu o artigo “Adeste fideles” da Wikipedia portuguesa.
4) Nenhuma das várias fontes contemporâneas de D. João IV que enumeram detalhadamente as suas composições refere que ele tenha composto qualquer “Adeste fideles” (o que em qualquer caso não poderia ter feito porque o texto ainda não existia). E mesmo quando no final do século XVIII começou a haver a moda de atribuir arbitrariamente ao Rei obras anónimas, como o “Crux fidelis” ou o “Adjuva nos”, nunca o “Adeste fideles” foi sequer incluído nestas falsas atribuições.

De onde nasceu então o mito da atribuição a D. João IV? É simples:

5) Ao “Adeste fideles” foi dado o nome de “Portuguese Hymn” em várias publicações inglesas porque esta composição era cantada na capela da Embaixada de Portugal em Londres, que até à legalização do culto católico em Inglaterra, com a promulgação do Roman Catholic Relief Act de 1829, era um dos únicos locais em que ele podia ser celebrado em território britânico. Vincent Novello (1781–1861), que foi a partir de 1797 Mestre de Capela e Organista da Capela Portuguesa, publicou em 1811 uma colectânea intitulada A Collection of Sacred Music, as Performed at the Royal Portuguese Chapel in London que teve depois grande influência na constituição de um repertório católico inglês, e como “Adeste fideles” estava nela incluído passou a ser conhecido como o “Hino Português” e assim se foi divulgando no mundo católico internacional. Mais tarde seria incluído, numa versão “pseudo-gregoriana”, no próprio “Liber Usualis” editado na sequência da reforma litúrgica de Pio X, no início do século XX.
6) A atribuição da obra a D. João IV é, pois, uma fantasia romântica sem qualquer fundamento, cuja origem é hoje impossível de datar com precisão, mas que não é sustentada por nenhum – absolutamente nenhum – dos autores que estudaram a vida e obra de D. João IV, de Joaquim de Vasconcelos e Ernesto Vieira a Mário de Sampaio Ribeiro e Luís de Freitas Branco, o que sugere que tenha surgido já em meados do século XX.

Quem é então o autor do “Adeste fideles”?

7) Não sabemos, pura e simplesmente, mas a natureza da própria música indica que não poderá ter sido composto antes do último quarto do século XVII e mais provavelmente já em inícios do século XVIII. Vincent Novello, quando publica o seu arranjo da obra, atribui-a a John Reading, organista do Winchester College que morreu em 1692, mas a primeira versão escrita que se conhece é de John Francis Wade (1711 – 1786), e sendo Reading protestante e Wade um católico assumido, que se exilou inclusive no Continente por lealdade à causa do Pretendente Stuart, seria mais natural que a Capela da Embaixada Portuguesa adoptasse uma obra sua do que uma da composição de um anglicano.
 
 
 

30/11/2015

Severa, a Rainha do Fado

Maria Severa Onofriana, celebrizou-se como "Severa", tornada o ícone de primeira fadista pelos seus amores e pelos fados que cantava, tocava e dançava, no bairro da Mouraria.
Nasceu em Lisboa em 1820 e morreu de tuberculose e apoplética a 30 de Novembro de 1846, num miserável bordel da Rua do Capelão, na Mouraria (freguesia do Socorro), tendo sido sepultada no Cemitério do Alto de São João, numa vala comum, sem caixão.
Consta que as suas últimas palavras terão sido: “Morro, sem nunca ter vivido” — tinha apenas 26 anos.

Dina Teresa em A Severa, o nosso primeiro filme sonoro (1931)


A actriz Palmira Torres, primeira interprete de " A Severa"

Napoleão reina em Portugal

A 30 de novembro de 1807 o exército francês, sob o comando do General Junot, ocupa Lisboa e assume a presidência do conselho de Governo. 
Junot determina que “A Casa de Bragança acabou de reinar em Portugal” e que o Reino passara a ser administrado por Napoleão.




Arquivo Nacional da Torre do Tombo

14/11/2015

Celeiro de São Francisco





Erigido na primeira metade do século XVIII, num terreiro então denominado Horta dos Cães, que se situava entre a cerca muralhada construída em torno de Faro no século XVII e a cerca do Convento de São Francisco, este edifício é a única edificação civil de planta octogonal existente no Algarve.
Foi mandado construir pelo Desembargador Veríssimo de Mendonça Manuel, que ao longo de toda a primeira metade da centúria de Setecentos patrocinou a construção de diversas obras em Faro, nomeadamente o conjunto da Quinta do Ourives, a Casa das Figuras e o Solar do Capitão-mor.
O piso térreo é rasgado por oito óculos, aos quais correspondem no interior os panos da abóbada. Numa das faces foi rasgado o portal principal de volta perfeita, sobrepujado por um brasão de armas em massa, integrado em conjunto de gosto rocaille, pertencente a Manuel Mascarenhas de Figueiredo Manuel, neto do Desembargador, que terá completado a obra iniciada pelo avô.
Desta segunda campanha de obras, ordenada entre 1761 e 1789, terão resultado também as interessantes figuras em massa que ladeiam o portal principal "(...). À direita está colocado um homem coberto por pele de leão, com uma maça e a hidra de Lena, cuja legenda identifica claramente como o herói mitológico HÉRCULES. À esquerda, um índio gigante que luta com um crocodilo é acompanhado pela inscrição "CABO DE BOA ESPERANÇA ADAMASTOR".

                                                                                                                Catarina Oliveira
                                                                                             DIDA/IGESPAR/ Abril de 2008

10/11/2015

Matesinus, Matesinis e Matusini

Em 1258, nas Inquirições mandadas efetuar por D. Afonso lll, é referenciada uma pequena povoação rústica junto à foz do rio Leça a norte do Porto, terra de pescadores, salineiros e agricultores, com as designações de Matusiny e Matusini (estava a formar-se, a partir do galaico-português, a língua portuguesa) e, em documentos de 1032 e 1258, aparece designada esta povoação como Matesinus, Matesinis e Matusini.
Durante muito tempo, foi uma simples povoação, e depois um lugar pertencente em 1258 à freguesia de Sandim de Bouças que, no séc. XVI ou XVII, passou a simples aldeia da freguesia do Sam Salvador de Mathozinhos que já tinha 600 fogos ou casas no séc. XVI quando foi dado por D. Manoel I o Foral ao concelho de Sam Salvador de Bouças (o atual Sendim, onde fica o cemitério n.º 2 de Matosinhos); povoação ou lugar, pertenceu durante séculos ao Julgado de Bouças sediado em Sandim por causa de estar situado muito perto o Mosteiro de Bouças (a área deste Julgado do Termo do Porto que também superintendia nos Julgados da Maia e de Penafiel, estendeu-se também durante séculos desde a atual Leça de Palmeira até à foz do rio Douro passando mais ou menos pelas atuais Guifões e Santa Cruz do Bispo, sem incluir o Couto de Leça do Balio e a atual S. Mamede de Infesta - ainda em 1736, as freguesias de S. Martinho de Aldoar com os lugares de Passos e da Villarinha, entre outros, de Ramalde e de Sam Miguel de Nevogilde pertenciam ao Julgado de Bouças e continuaram a pertencer ao concelho de Bouças do séc. XIX até 1895.
A vila de Matosinhos, constituída pelas freguesias do S. Salvador de Bouças de Matosinhos e de S. Miguel da Palmeira, foi criada em 1853.
Em 1867, foi criado o concelho de Matosinhos, voltando à organização anterior 20 dias depois!
Em 1909, foi dirigido um pedido ao governo para ser criado em definitivo o concelho de Matosinhos, por este lugar ser mais importante que o de Bouças: o concelho de Matosinhos foi criado definitivamente a 06/05/1909, com sede em Matosinhos, há pouco mais de 100 anos, tendo sucedido ao concelho de Bouças que, por sua vez, sucedeu ao Julgado de Bouças.

26/10/2015

O Naufrágio de 1947

Naufrágio de 4 traineiras de Matosinhos na madrugada de 02/12/1947 ao largo do litoral de Vila nova de Gaia, entre a Aguda e o Senhor da Pedra em Miramar.
O dia 1 de dezembro de 1947, segunda-feira, nasceu encoberto e sombrio, embora não chovesse nem houvesse grande vento. As traineiras, que tinham saído de noite para a pesca da sardinha aproveitando uma ligeira melhoria temporária das condições meteorológicas, começaram a chegar ao início da manhã ao porto de Leixões trazendo nos seus porões, contudo, peixe em pouca quantidade.
Já a meio da manhã desse dia, no entanto, entrou em Leixões uma traineira carregada de sardinha e então, os outros mestres, perspetivando uma boa pescaria, decidiram chamar as suas tripulações e mandar aprovisionar as suas embarcações para outra saída.
Durante a tarde desse dia, com bom tempo e apesar dos vários prenúncios de temporal, saíram de Leixões 103 traineiras para a faina rumando a Sul em direção ao mar da Figueira da Foz onde se encontravam os cardumes de sardinha.
Nessa altura, o espetro da fome era maior do que o do medo levando a que estes ousados lobos do mar enfrentassem sempre as ondas sem medo, saindo da barra, muitas vezes para não voltarem mais.
Passadas algumas horas, o tempo mudou radicalmente vendo-se as traineiras envolvidas num imenso temporal: as ondas, fortíssimas, chegaram a ter vagas de 10 m de altura, enquanto o vento rodava para NW e o ar arrefecia drasticamente.
Algumas traineiras resolveram regressar a Leixões, mas a grande maioria decidiu continuar. Ao anoitecer, as nuvens carregadas tapavam completamente o céu que ficou sem luar e os ventos intensificaram-se com rajadas ciclónicas a uma velocidade superior a 140 km/h. Nessa altura, já todos andavam a tentar fugir ao temporal, esforçando ao máximo os motores e as máquinas das traineiras, procurando desesperadamente um porto de abrigo, enquanto que o mar levava marinheiros borda fora e enchia os porões das traineiras de água.
Noite adentro, em terra, corriam murmúrios de que algo corria mal e os familiares dos tripulantes das embarcações saídas corriam desesperadas em direção ao areal da Praia Nova em Matosinhos. No extremo do Molhe Sul do porto de Leixões, os familiares dos pescadores apinhavam-se na esperança de ver entrar as traineiras e vislumbravam luzes de navegação das traineiras que tentavam chegar ao porto de Leixões desesperadamente.
Assim que as primeiras traineiras aportaram com alguma dificuldade, foi relatado que tinham sido avistadas entre a Aguda e o Senhor da Pedra 4 traineiras a navegar em situação aflitiva muito perto da costa e que, apesar de alguns mestres de outras traineiras terem tentado avisá-las e orientá-las para o bom caminho com as sirenes, sinais e até gritos, nada conseguiram fazer pois a violência do temporal era tanta que impediu essas 4 traineiras de serem bem sucedidas na saída de perto da costa.
Passado algum tempo, chegou a noticia da trágica realidade e ficou-se a saber que, nessa negra e sinistra madrugada de 02/12/1947, naufragaram no litoral de Gaia, entre o Cabedelo e o Senhor da Pedra, as traineiras 'D. Manuel', 'Rosa Faustino', 'Maria Miguel' e 'S. Salvador' tendo perecido 152 pescadores entre os que se encontravam nas 4 traineiras naufragadas e alguns que caíram ao mar de outras traineiras durante o seu regresso aflitivo ao porto, deixando 71 viúvas e mais de 100 órfãos de pai.


Nos dias seguintes, ao longo do litoral de Gaia, foram dando gradualmente à costa os corpos dos tripulantes destas traineiras, o que significou o prolongamento durante vários dias desta tragédia com os funerais a sucederem-se diariamente ao longo de muito tempo em Matosinhos, Espinho, Murtosa, Póvoa de Varzim e Vila do Conde (muitos corpos nunca apareceram e de outros, apenas restaram algumas partes).
Dessas 4 traineiras naufragadas, salvaram-se apenas 6 pescadores; 3 homens, no reboliço da traineira 'D. Manuel' e com o espectro da morte à sua frente, foram arrojados à praia do Cabedelo, procurando ajuda numa das pobres casas aí existentes; 2 outros, depois de terem sido roubados de bordo com outros 2 camaradas, foram de novo lançados para dentro da traineira e um dos que o mar não devolveu, mantendo-se agarrado a uma tábua, teve a sorte de por ele passar uma traineira que lhe lançou uma boia, a qual enfiando-se-lhe milagrosamente pela cabeça, o salvou; outro, a bordo da traineira 'Rosa Faustino', passando com terra à vista, lançou-se ao mar nadando até à exaustão sendo recolhido das ondas, salvando-se com outros 2 arrojados à praia pelo mar.



Relato de José Rodrigues

21/10/2015

A Aldeia Fantasma do Colmeal

Aldeia do Colmeal
Esta freguesia situada a 15 KM para Sudoeste do concelho é uma povoação “fantasma” desde os anos 50. É formada pelos lugares de Colmeal, Bizarril, Milheiros e Luzelos. A povoação com o antigo nome de “Colmenar” foi doada por Fernando II, rei de Leão em 1183 aos monges da ordem militar de São Julião do Pereiro. A freguesia pertenceu ao concelho de Pinhel até 12 de Julho de 1895, quando passou a integrar o concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.


A 8 de Julho de 1957, eram pouco mais das dez horas da manhã, um destacamento da Guarda Nacional Republicana (GNR) composto por 25 praças e 3 oficiais decididos e fortemente armados (os aldeões, pastores e camponeses inocentes não tinham armas) com metralhadoras e preparados para o pior cenário, irrompem pela aldeia e, em poucas horas, surpreende e expulsa as 14 famílias de cerca de 60 aldeões e camponeses pobres que ali viviam, descendentes de gerações e gerações de lavradores e pastores que desde sempre, desde tempos longínquos, tal como os seus ancestrais mais antigos, aí viveram, habitaram, trabalharam e morreram, naturalmente.
Nada impediu as autoridades de rebentarem com as portas das casas e levarem os poucos haveres desta gente simples que se refugiou na maioria nos montes e aldeias em redor. Os populares não aceitaram e a GNR viu-se obrigada a intervir para expulsar os resistentes no dia 10 de Julho de 1957. Segundo os populares houve casas queimadas e registaram-se mesmo alguns mortos entre os populares da localidade. Foi a primeira vez que tal sucedeu em Portugal, uma população ser expulsa colectivamente do de uma localidade inteira.

Durante os anos seguintes, a muito custo, os antigos habitantes do Colmeal foram refazendo a sua vida. Uns emigraram para o estrangeiro ou para as grandes cidades como Porto e Lisboa. Outros optaram por permanecer no concelho, nomeadamente noutros lugares da freguesia como Luzelos e Bizarril (onde hoje se encontra a Junta de Freguesia, a igreja paroquial e o novo cemitério).


Esta é também uma terra de pergaminhos fidalgos já que aqui terá vivido Pedro Álvares Cabral, o famoso descobridor do Brasil. O “solar” brasonado da família, não obstante a ruína, ainda é visível em lugar de destaque na aldeia.
Se é verdade, como já referimos, que inicialmente a posse do Colmeal pertenceu à Ordem Militar de Cavalaria de São Julião do Pereiro, sabe-se, igualmente, que séculos mais tarde o senhorio da povoação passou para as mãos da família dos Cabrais, da Casa de Belmonte. O avô materno de Pedro Álvares Cabral, Vasco Fernandes de Gouveia, possuía mesmo o título de Senhor do Colmeal e, durante gerações, a presença dos donatários e seus familiares seria constante no “solar” dos Cabrais existente na povoação. Não é, por isso, difícil de acreditar que o famoso navegante aqui também tenha residido. Não há, no entanto, qualquer prova quanto à possibilidade desta personalidade aqui ter nascido, como defende alguma da tradição oral na região. A historiografia oficial refere, de resto, que terá nascido em Belmonte entre 1460 e 1470. Curiosamente terá sido também por essa altura que é construída a igreja do Colmeal.

Fonte 
 
 

19/10/2015

Rua de Santo António


Foi durante o último século o centro nevrálgico da cidade de Faro, e ainda hoje quando nos referimos à baixa da cidade estamos a falar da Rua de Santo António.
Consiste na continuação da mui antiga e tradicional Rua do Rego, que existe na baixa da cidade desde os longínquos tempos medievais. Os limites da cidade terminavam nessa época praticamente na chamada Horta da Mouraria, que fechava a antiga Rua do Rego, cuja orientação aponta para na direcção da colina fronteira à cidade, no sopé da qual corre a estrada de Olhão, e em cujo alto se erigiu a ermida de St.º
António. Quando nos meados do século XIX a autarquia decidiu esventrar ao meio a Horta da Mouraria, para abrir uma nova artéria a régua e esquadro, não havia então um nome para se lhe atribuir, ficando sob o baptismo popular de "Rua a Santo António do Alto".
Quando em 1895 se comemorou a nível nacional o Centenário de Santo António, a autarquia decidiu homenagear o grande taumaturgo nacional, atribuindo-lhe o nome à artéria mais moderna da cidade, onde já estavam a concentrar-se algumas importantes empresas comerciais e casas de câmbios. A notoriedade da nova rua tornara-se visível a partir do último quartel do séc. XIX, quando algumas famílias da nobreza e da alta burguesia começaram a construir as suas residências na popular Rua a Santo António do Alto, designação pela qual era popularmente designada.
Entre as famílias que decidiram assentar arraiais na nova rua, destacava-se a dos Pantojas, a dos Carvalhal de Vasconcelos, e outros. As suas residências nobres, quase apalaçadas, de imponente traço arquitectónico, ainda hoje se distinguem na volumetria original da rua de Stº António. A antiga Horta da Mouraria ocupava quase metade da rua, e, mais ou menos no sítio onde ficava a casa dos rendeiros agrícolas, se encontra hoje todo o complexo arquitectónico do Cine-Teatro Farense.
A Rua de Santo António adquiriu grande notoriedade e indisfarçável proeminência a partir dos finais da década de quarenta do século passado, quando o comércio e as filiais bancárias se transferiram da antiga Rua Direita (actual Rua Manuel Bivar) para a Rua de Santo António. Devido à abertura da nova entrada na cidade, através da actual Rua Teófilo da Trindade, o trânsito automóvel passou a orientar-se na direcção da baixa da cidade, confluindo na Rua de Santo António, como centro nevrálgico da actividade económica da cidade.
Mais tarde, nos anos setenta, a rua de Santo António seria encerrada ao trânsito, cobrindo o seu piso de calçada portuguesa e convertendo o seu traçado original num espaço de circulação pedonal. Foi um sucesso para as actividades mercantis da cidade praticamente até ao encerramento do século XX.
Presentemente, devido ao pagamento de estacionamento na baixa da cidade, assim como à construção fora da cidade de um enorme centro comercial (Fórum Algarve), moderno e espaçoso, onde se pode encontrar diversos tipos de actividades mercantis, e mesmo lúdicas, a Rua de Santo António, assim como a generalidade da cidade, perdeu o seu atractivo natural de espaço de convívio e de referência na vida quotidiana dos cidadãos farenses.

                                                                                                     José Carlos Vilhena Mesquita

17/10/2015

A Menina Nua

A Menina Nua,  Avenida dos Aliados, Porto

Obra de Henrique Araújo Moreira (Avintes, Vila Nova de Gaia, 1890 - 1979) 

Chamava-se Aurélia Magalhães Monteiro e era conhecida por Lela, Lelinha ou pela “Ceguinha do 9” - para a eternidade ficará sempre a ser a “Menina Nua” da Av. dos Aliados, estátua que toda a cidade conhece e aprecia.
Nasceu no dia 4 de Dezembro de 1910, na freguesia do Bonfim e, pouco tempo antes de falecer, dizia-me que “tinha sido uma das mulheres mais apreciadas e cobiçadas do seu tempo...”. Vivia no rés-do-chão do Bloco 9 do Bairro da Pasteleira, numa casa simples e humilde com flores a enfeitarem a entrada e a sala de jantar.
Um dia convidou-me a entrar e contou-me um pouco da história da “Menina Nua”:
- «Tinha 21 anos quando fiz de modelo para o Henrique Moreira, o mestre que fez a estátua: Mais tarde colocaram-me na Avenida dos Aliados - que belos anos aqueles! Estive duas semanas a “posar” e ainda hoje recordo com alegria e saudade aqueles momentos de trabalho, pois posso morrer amanhã que todos ficarão a saber quem era a Lela... Além disso, nessa altura, dava-me bem com os artistas, era bonita e eles convidavam-me. Andava por toda a parte, ganhei uns “cobres” com o Henrique Moreira, mas hoje... Resta-me a consolação de estar ali, de costas voltadas para o Almeida Garrett e de frente para o D. Pedro IV.»
Perguntei-lhe nessa altura se não tinha havido problemas com a nudez da estátua - por exemplo, proibições, censuras.
Ela respondeu-me:
- «Bem, sabe que naquela época havia certos sectores que se opunham claramente e até ficaram escandalizados com a “Menina Nua”. Nós éramos muito tacanhos e veja bem que há 50 anos as ideias eram realmente diferentes. Havia o Salazar, a Pide e o povo era mais fechado, mais religioso. Felizmente o mestre Henrique Moreira conseguiu “levar a água ao seu moinho” e lá fiquei, de pedra e nua, assim como Deus me botou ao Mundo...»
Sorriu de imediato, mostrando ainda réstias de um rosto bonito e de uma boca fina, onde já rareavam os dentes, vítima do peso dos anos e das canseiras e desgraças da vida. Além disso, imagine uma “moçoila”, no tempo da “outra senhora”, a expor-se toda nua perante uns homens de tela e pincéis ou bocados de pedra. Bem... era quase como ser comunista ou mulher da vida.
Prossegui, perguntando-lhe quando e onde tinha começado a ser modelo. «De qualquer modo, e se a memória não me falha, comecei com o mestre Teixeira Lopes, na figura-modelo da rainha D. Amélia. Esta estátua encontra-se atualmente no museu com o mesmo nome, em Vila Nova de Gaia. Nessa época tinha muita vergonha. Era uma “moçoila” com 18 anos, bem feita e bonita. A minha mãe tinha falecido e fiquei mais tarde com uma madrasta, de quem por acaso não gostava nada; por isso mudei-me para o Bonfim, para casa da minha santa avó. Que tempos... Nessa altura, iniciei-me como modelo nas Belas Artes do Porto e lentamente fui-me habituando, até que fiquei mais descarada... Depois passei alguns anos como modelo, andei pelo Norte, pelo Sul e até a Lourenço Marques (hoje Maputo) eu fui. Fiz de modelo para vários mestres, entre eles: Acácio Lino, Joaquim Lopes, Dórdio Gomes, Sousa Caldas, Augusto Gomes, Camarinha e os consagrados Henrique Moreira e Teixeira Lopes. Além da “Menina Nua”, estou no Buçaco, no Cinema Rivoli, em Lisboa e em Moçambique... E hoje? Como vê, aqui estou, desde os 43 anos cega, uma vida difícil de adaptação, um mundo escuro, negro.»
Despedi-me dela, tentando consolá-la com frases de carinho e amizade, mas a vida é um cão que não conhece o dono… Ela despediu-se (nessa altura), com um bom dia, entrecortado com um sorriso morgaiato, misto de Ribeira, Bonfim e Pasteleira...
Aurélia Magalhães Monteiro, a Lela, a Lelinha ou a “Ceguinha do 9”, faleceu no dia 2 de Junho de 1992, com 82 anos de idade. No entanto, a “Menina Nua” continua viva, fixa e eterna, ali na Avenida dos Aliados, envolta nos nevoeiros citadinos, perpétua e ardente, nos dramas e vitórias deste povo.

Do livro "Pasteleira City", de Raul Simões Pinto – Edições Pé de Cabra – Fevereiro de 1994, citado por Rita Sá Cunha 

 

07/10/2015

Uma Fábrica de Conservas

Matosinhos - Fabrica de conservas Lopes,Coelho Dias & Ca
A antiga "Real Fábrica a Vapor de Conservas Alimentícias", pertencente de início à empresa "Lopes, Coelho Dias & Cª" que tinha sido criada e estabelecida durante os anos 60 a 80 do séc. XIX na R. de S. Pedro de Miragaia, no Porto (com a sua fábrica "Especial Fábrica a Vapor de Conservas Alimentícias Lusitana"), como uma sociedade em comandita na qual o Sr. José Coelho Dias era o sócio comanditário (natural de Espinho,) e o Sr. Joaquim Antonio Lopes era o sócio comanditado e gerente, foi a 1.ª fábrica de conservas que se estabeleceu em 1899 no Areal do Prado junto à futura R. Guerra Junqueiro (o prolongamento da então já R. Brito Capelo desde 18/12/1890 e delimitada a sul pela futura R. Sousa Aroso (no Areal do Prado, em Matosinhos Sul).
Foi construída de raiz com instalações modelares, numa área de 14000 m2 e foi considerada uma das maiores deste ramo da indústria alimentar na Península Ibérica.
Antes de 1929, passou a ser uma sociedade por quotas, a "Conservas Lopes, Coelho Dias, Lda.".
Foi um dos exemplos da interação em Matosinhos entre a indústria e as vias de comunicação, pois o elétrico da Linha Marginal passava à sua porta e a linha ferroviária do Ramal de Leixões passava junto às suas instalações desde 1895 a caminho dos Apeadeiro do Prado e do Sua-Prado facilitando o transporte das suas exportações.
Em 1941, a "Conservas Lopes, Coelho Dias, Lda." acabou por encerrar e as suas instalações foram compradas pelo industrial Adão Pacheco Polónia que manteve a fábrica em funcionamento até cerca de 1965.
Em meados de 1999, as suas instalações, abandonadas há mais de 30 anos, começaram a ser demolidas para dar lugar a uma urbanização no âmbito do plano de recuperação urbana da zona sul de Matosinhos.

Texto de José Rodrigues
in  

29/09/2015

Rio Douro - As cheias de 1909

Entre os dias 17 e 25 de Dezembro de 1909, as populações da cidade do Porto e de Gaia assistiram, impotentes, à destruição das suas zonas ribeirinhas, por ação da cheia do rio Douro. 
Ruas e edifícios nas zonas ribeirinhas do Porto e de Gaia foram inundados e a fúria das águas provocou a destruição total ou parcial de inúmeras habitações. Cerca de 40 embarcações de médio e grande porte e mais de 700 pequenas embarcações de trafego fluvial foram arrastadas e destruídas (total ou parcialmente).
 O caudal máximo atingido na Régua (a montante) foi de 16 700 m3/s, tendo o nível das águas estado a 80 centímetros do tabuleiro inferior da ponte Luiz I.
 A imprensa noticiava que:  "Para se avaliar do que foi o volume dos estragos, causados pela a violência da corrente registada no rio, por essa altura, bastará referir que entre vapores de carga, chalupas, iates, patachos, barcos de pesca e de recreio, afundaram-se ou saíram barra fora, desgovernados, por efeitos da enchente, nada mais nada menos do que quarenta embarcações e mais treze rebocadores. Morreram oito pessoas, entre as quais figuravam três barqueiros e cinco tripulantes, incluindo o capitão, de um navio alemão que se afundou." (Fonte: JN)

 
O vapor "Sachsen" naufragado na sequência das cheias do Douro de 1909.

O Vapor de pesca Alemão SACHSEN, 42m, veio rio abaixo na cheia do Douro de 12/1909, depois da sua companha se ter posto a salvo em terra, foi encalhar numas pedras junto do Cabedelo da barra, tendo sido considerado perda total constructiva, contudo a Empresa Portuense de Pescarias comprou-o como salvados em 1910 e reconstruí-o, passando a denominar-se AZEVEDO GOMES, e voltou à pesca da costa e do Cabo Branco. Nos anos 30 foi comprado pela Sociedade de Pescarias Arrábida, de Lisboa, que preservou o nome, e continuou a fainar até aos anos 50, altura em que foi abatido para sucata.O SACHSEN descarregava as suas capturas de peixe para lanchas no cais Júlio de Carvalho, na margem esquerda, diante do cais do Marégrafo, e o peixe era vendido nas linguetas da Cantareira. (informação de Rui Picarote Amaro)

A chuva continuava a cair com intensidade, sem parar. A maré subia e invadia com suas águas os estabelecimentos comerciais e habitações das zonas ribeirinhas do Porto e de Gaia. [...]
Na manhã do dia 22, o mercado ribeirinho da Gaia «fugira» para a Rua Direita. No Porto, a Praça da Ribeira estava meia encoberta de água.[...]
Ao fim do dia, no Porto, a Praça da Ribeira, estava submersa. Na noite desse sinistro dia
22 de Dezembro, o céu estava negro, o vento sul soprava demolidor, as águas corriam 
fortes e barrentas.
A medição da velocidade do caudal registava as 11 milhas horárias, entretanto um 
novo telegrama chegava da Régua, o qual dizia que as águas continuavam a subir, sem 
parar.
Era a catástrofe.
Às primeiras horas do dia 23, o rio galgava o Muro dos Bacalhoeiros, no Porto. O 

pânico estava instalado entre os moradores das duas margens do Douro. A força das 
águas arrastou tudo, a Foz parecia um cemitério de restos de embarcações.
Ao meio-dia, com a preia-mar, o nível do rio estava a cerca de 80 centímetros do 

tabuleiro inferior da ponte Luís I. É programada a demolição deste com explosivos. 
Está batido em um metro o recorde das cheias de 1860.
 (in Casos de Estudo- As Cheias do Douro em 1909)
  
Arcos de Miragaia


A Ribeira e o caudal do Rio Douro

A Avenida Diogo Leite - Vila Nova de Gaia

 
Destroços da cheia de dezembro de 1909 na praia do Carneiro (ou do Castelo, ou de Felgueiras), na Foz do Douro.

 
 Fotografias da
Edição da "Tabacaria Cubana", sobre as cheias de 1909. 
Conhecem-se desta série específica, 
21 postais numerados (1 ao 21), mais 1 sem numero
retiradas de 

05/09/2015

Beco do Chão Salgado



 "AQVI FORAO AS CAZAS ARAZADAS E SALGADAS DE IOZE MASCARENHAS EXAUTHORADO DAS HONRAS DE DVQUE DE AVEIRO E OUTRAS E CONDEMNADO POR SENTENÇA PROFERIDA NA SUPREMA JUNTA DA INCONFIDENCIA EM 12 DE JANEIRO DE 1759 IUSTICIADO COMO HUM DOS CHEFES DO BARBARO E EXECRANDO DESACATO QVE NA NOITE DE 3 DE SETEMBRO DE 1758 SE HAVIA COMMVLADO CONTRA A REAL E SAGRADA PESSOA DE EL REI NOSSO SENHOR D. IOZÉ NESTE TERRENO INFAME SE NÃO PODERA EDIFICAR EM TEMPO ALGVM".

Num pequeno beco mesmo junto aos Pasteis de Belém, chamado Beco do Chão Salgado, existe um padrão memória que se destina a evocar um acontecimento histórico. Após o atentado falhado contra Dom José I, foram executados alguns dos nobres envolvidos e arrasado o palácio do Duque de Aveiro que aí se localizava, sendo salgado o chão para que nada mais se construísse ou nascesse neste local . O padrão data de 1759 e é de autor desconhecido.
Com o tempo, essa determina
ção foi esquecida e o padrão encontra-se rodeado por edificações e esquecido por muitos dos que passam nesta zona.


O monumento é composto por uma coluna, envolta em 5 anéis, um por cada cabeça derrubada, assente sobre uma base quadrangular e degrau.

                                                                Fotografia Ana Luísa Alvim | CML
                                              Arquivo Municipal de Lisboa, Armando Serôdio.SER/I03703



 

02/09/2015

Aforamento e Casas Foreiras




Placas indicadoras a que instituição determinada casa era foreira. Normalmente, era a um convento (S. Pedro de Alcântara, S. Vicente de Fora, etc.), à Mitra ou ao Cabido, ou então à Câmara. Havia também forma de identificar quem eram os senhores do domínio directo do prazo sem recorrer a palavras, como por exemplo o uso de uma mitra esculpida sobre a porta, um arcanjo esculpido (no caso do Porto, símbolo do Cabido da Sé). 
O aforamento, ou emprazamento, era um contrato enfitêutico que gerava o desmembramento da propriedade em dois domínios. O senhorio, titular do domínio directo, cedia a outrem (foreiro) o domínio útil de um bem fundiário, impondo-lhe o cumprimento de encargos diversos, nomeadamente o pagamento de um foro. O aforamento podia ser perpétuo ou em vidas. Os prazos de vidas distinguiam-se, quanto à forma de transmissão do domínio útil, entre os de nomeação livre (a vida vigente tinha liberdade para nomear a sua sucessora) e os de nomeação restrita (as vidas eram determinadas aquando da celebração do contrato). Independentemente desta diversidade de situações, o aforamento conferia ao enfiteuta um vínculo estável com o imóvel e um leque alargado de direitos de propriedade, nomeadamente a faculdade de o alienar, ceder ou subenfiteuticar, desde que com o consentimento do senhorio. (1)

Lisboa, Rua do Olival

Casa foreira a S. Vicente
 
Funcionava como um mecanismo de controlo exercido por parte daquilo a que hoje chamaríamos "os senhorios" (mas que não eram bem bem senhorios, porque arrendamento e emprazamento eram coisas diferentes), mecanismo de controlo usado sempre que havia dúvidas ou era considerado necessário. Por exemplo, um foreiro deixava de pagar o foro e alegava não ter de pagar nada, por não haver título válido de emprazamento. Depois de provado em tribunal que afinal existiam provas documentais, em como certo edifício estava em chão que havia sido emprazado sucessivamente pela instituição x ou y, esta poderia mandar colocar uma placa no edifício, para reafirmar a posse do domínio directo do prazo.
Embora por motivos diferentes, algumas irmandades insculpiram ou colocaram placas também nos túmulos que tinham a seu cargo.



informação dada por Francisco Queiróz e Manuela Alves  
(1) - Fonte J. V. Serrão, M. Motta e S. M. Miranda (dir), 
e-Dicionário da Terra e do Território no Império Português