26/10/2015

O Naufrágio de 1947

Naufrágio de 4 traineiras de Matosinhos na madrugada de 02/12/1947 ao largo do litoral de Vila nova de Gaia, entre a Aguda e o Senhor da Pedra em Miramar.
O dia 1 de dezembro de 1947, segunda-feira, nasceu encoberto e sombrio, embora não chovesse nem houvesse grande vento. As traineiras, que tinham saído de noite para a pesca da sardinha aproveitando uma ligeira melhoria temporária das condições meteorológicas, começaram a chegar ao início da manhã ao porto de Leixões trazendo nos seus porões, contudo, peixe em pouca quantidade.
Já a meio da manhã desse dia, no entanto, entrou em Leixões uma traineira carregada de sardinha e então, os outros mestres, perspetivando uma boa pescaria, decidiram chamar as suas tripulações e mandar aprovisionar as suas embarcações para outra saída.
Durante a tarde desse dia, com bom tempo e apesar dos vários prenúncios de temporal, saíram de Leixões 103 traineiras para a faina rumando a Sul em direção ao mar da Figueira da Foz onde se encontravam os cardumes de sardinha.
Nessa altura, o espetro da fome era maior do que o do medo levando a que estes ousados lobos do mar enfrentassem sempre as ondas sem medo, saindo da barra, muitas vezes para não voltarem mais.
Passadas algumas horas, o tempo mudou radicalmente vendo-se as traineiras envolvidas num imenso temporal: as ondas, fortíssimas, chegaram a ter vagas de 10 m de altura, enquanto o vento rodava para NW e o ar arrefecia drasticamente.
Algumas traineiras resolveram regressar a Leixões, mas a grande maioria decidiu continuar. Ao anoitecer, as nuvens carregadas tapavam completamente o céu que ficou sem luar e os ventos intensificaram-se com rajadas ciclónicas a uma velocidade superior a 140 km/h. Nessa altura, já todos andavam a tentar fugir ao temporal, esforçando ao máximo os motores e as máquinas das traineiras, procurando desesperadamente um porto de abrigo, enquanto que o mar levava marinheiros borda fora e enchia os porões das traineiras de água.
Noite adentro, em terra, corriam murmúrios de que algo corria mal e os familiares dos tripulantes das embarcações saídas corriam desesperadas em direção ao areal da Praia Nova em Matosinhos. No extremo do Molhe Sul do porto de Leixões, os familiares dos pescadores apinhavam-se na esperança de ver entrar as traineiras e vislumbravam luzes de navegação das traineiras que tentavam chegar ao porto de Leixões desesperadamente.
Assim que as primeiras traineiras aportaram com alguma dificuldade, foi relatado que tinham sido avistadas entre a Aguda e o Senhor da Pedra 4 traineiras a navegar em situação aflitiva muito perto da costa e que, apesar de alguns mestres de outras traineiras terem tentado avisá-las e orientá-las para o bom caminho com as sirenes, sinais e até gritos, nada conseguiram fazer pois a violência do temporal era tanta que impediu essas 4 traineiras de serem bem sucedidas na saída de perto da costa.
Passado algum tempo, chegou a noticia da trágica realidade e ficou-se a saber que, nessa negra e sinistra madrugada de 02/12/1947, naufragaram no litoral de Gaia, entre o Cabedelo e o Senhor da Pedra, as traineiras 'D. Manuel', 'Rosa Faustino', 'Maria Miguel' e 'S. Salvador' tendo perecido 152 pescadores entre os que se encontravam nas 4 traineiras naufragadas e alguns que caíram ao mar de outras traineiras durante o seu regresso aflitivo ao porto, deixando 71 viúvas e mais de 100 órfãos de pai.


Nos dias seguintes, ao longo do litoral de Gaia, foram dando gradualmente à costa os corpos dos tripulantes destas traineiras, o que significou o prolongamento durante vários dias desta tragédia com os funerais a sucederem-se diariamente ao longo de muito tempo em Matosinhos, Espinho, Murtosa, Póvoa de Varzim e Vila do Conde (muitos corpos nunca apareceram e de outros, apenas restaram algumas partes).
Dessas 4 traineiras naufragadas, salvaram-se apenas 6 pescadores; 3 homens, no reboliço da traineira 'D. Manuel' e com o espectro da morte à sua frente, foram arrojados à praia do Cabedelo, procurando ajuda numa das pobres casas aí existentes; 2 outros, depois de terem sido roubados de bordo com outros 2 camaradas, foram de novo lançados para dentro da traineira e um dos que o mar não devolveu, mantendo-se agarrado a uma tábua, teve a sorte de por ele passar uma traineira que lhe lançou uma boia, a qual enfiando-se-lhe milagrosamente pela cabeça, o salvou; outro, a bordo da traineira 'Rosa Faustino', passando com terra à vista, lançou-se ao mar nadando até à exaustão sendo recolhido das ondas, salvando-se com outros 2 arrojados à praia pelo mar.



Relato de José Rodrigues

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